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Meios de comunicação e poder



É sempre muito bom que pensadores brasileiros de reconhecida inquietação intelectual também encaminhem suas preocupações e estudos para um fenômeno que, há anos, está a desafiá-los, os meios de comunicação de massa, seu desenvolvimento e inserção na sociedade moderna como fonte de poder. Melhor ainda, quando essa inquietação faz parte de um esforço maior, reunindo pesquisadores renomados e sérios, na tentativa de compreender o desenvolvimento histórico, político, social e econômico da sociedade brasileira e suas perspectivas.
Nesse sentido, a área carece de um ensaio sobre a comunicação de massa na sociedade democrática, onde se divide em três partes: Imprensa e opinião pública, os meios de comunicação de massa e o futuro dos mídia. Desde que não corra o risco de reproduzir, em partes, a visão excessivamente otimista do pensador alemão Hans Magnus Enzesberger quanto à permeabilidade dos meios de comunicação de massa (MCM) sem pecar pela timidez quando se propõe a conjecturar sobre o futuro do jornalismo, da televisão, do rádio, do cinema, da internet e dos livros.
Desde a recessão econômica imposta pelo Plano Collor, no início dos anos 90, as redações passaram por diversos processos de enxugamento de seu efetivo e de reengenharia em sua organização. Com a proliferação de sites noticiosos, inclusive nas próprias empresas de comunicação tradicionais, o que congelou as equipes “off line”. Combinada com o aperto e a consequente sobrecarga, cresceu a oferta de informações via internet, diminuindo, ao mesmo tempo, o trabalho de assessorias ou departamento de comunicação das instituições ou empresas de maneira geral. As análises críticas de literatura, de artes visuais, de teatro, músicas, histórias em quadrinhos, etc., foram eliminadas do padrão editorial vigente que optaram por comentários sintetizados e meramente superficiais, atendendo aos modismos passageiros, pois grande parte dos meios de comunicação fazem assinatura de conteúdo, diversificados das tradicionais empresas jornalísticas dos grandes centros, a exemplo de São Paulo e Rio de Janeiro. Esses fenômenos constituem um quadro propício a um ineficiente jornalismo de gabinete. Mas, a maioria utiliza de contrato com prefeitura e representantes do povo, como uma extensão ou complemento da assessoria de comunicação destas figuras públicas. Ou seja: cada vez menos repórteres saem para a rua afim de apurar fatos. Em substituição ao contato real com os acontecimentos e seus protagonistas, predomina o uso do telefone, dos dispositivos moveis e da internet. O que batizamos de informação ilhada. Perde-se a capacidade de medir a temperatura ambiente e, portanto, de trazer informações “quentes” e mais completas, com rapidez, para o leitor/internauta. Reduz-se a sensibilidade para avaliar o que ocorre fora do espaço e das escadas do congresso, das câmaras e dos saguões empresariais ou dos salões de festa. Tamanho distanciamento, que é também isolamento, tem um preço – jornalístico e político.
Isto porque a análise não deve apenas exaltar as grandes transformações na imprensa brasileira, do ponto de vista tecnológico, redatorial e até empresarial, colocando a experiência sueca como, no momento, o máximo de conciliação do interesse privatístico, de um lado, e dos direitos individuais de privacidade e liberdade pública de informação, de outro. Tanto as figuras do ombudsman quanto do “defensor do povo”, como defensores dos interesses da população junto à imprensa, não resolveriam a questão mais ampla que permeia essa relação, que, em última instância, é uma questão de poder, pois informação é poder. O estudo pode aprofundar mais em temas como a democratização da concessão de canais de rádio e TV, da distribuição das verbas publicitárias governamentais, a mudança na linha editorial na imprensa escrita e virtual para o modo opinativo, e da criação de subsídios à imprensa independente, no caso específico dos blogs, que sobrevivem navegando contra a corrente narcisista e consumista da internet, entre outros.


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