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Mostrando postagens de junho, 2016

Lamentações do tártaro II

Sou o nada que procura a abundante seara que o sol, o calor e a estiagem plantaram a sede, a fome, a dor, as doenças da desilusão. Nobres são os dias chuvosos que me contornam na estação, miragem da vontade maior, em contraste ao desencanto pelo fruto que não brotou do ventre da mãe-terra, cujas olheiras são vastas, fundas e tristes. A água e a pouca perspectiva são as algemas de nossa raiz embora a vinda do Messias, deitamos às sombras, cada qual em seu núcleo de orgulho e angústia, não se esquece com tamanha candura, a insuficiência dos apelos, o ouvir das promessas, um feixe de dias melhores obscurecido e sufocado pela apneia, o grunhido do estômago vazio. E a forte fé cega tornou-se esquálida e frágil para boiar em alucinada perturbação. Senti o coração estalar pelo pesado poço profundo plasmando o orgulho na retina do chão quando endurece em degredo. E o escoadouro não se isolou de mim. Quand

Crítica publicada em antologia

Fragmento do comentário sobre Sangue Português Seleta comemora os 30 anos de carreira Texto de escritor ao lado de grandes nomes da literatura             Raquel Naveira, 58 anos, poeta, cronista, ensaísta e palestrante, de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, acaba de lançar Jardim Fechado - Uma Antologia Poética, em comemoração aos seus 30 anos de carreira. Nesta seleta, dividida em 15 capítulos, cada um contém uma breve introdução, incluindo os prêmios para qual foi indicado, além de críticas da obra, como o fragmento de “Portugal: A Terra e o Homem em Azulejos” , de Rubens Shirassu Júnior, 55 anos, na página 359, sobre Sangue Português: Raízes, Formação e Lusofonia, de 2012. A análise crítica do poeta, contista e ensaísta de Presidente Prudente, figura ao lado de Afonso Romano de Sant´anna, Artur da Távola, Antonio Houaiss, Carlos Herculano Lopes, Carlos Nejar, da Academia Brasileira de Letras, Cleonice Berardinelli, Leyla Perrone

A perda da aura

Salon ( 1859 ) litografia de Honoré Daumier Sem o prestígio de antes, de moral baixa, entre a reclusão na universidade e a moeda fácil da resenha, a crítica patina e procura a si mesma. Ou apenas ensaia formas mais adequadas à indústria cultural de hoje?              Mário de Andrade dizia que o crítico era bom apesar do método. As chamadas questões de método não o enredavam mais do que o necessário, e embora tenha sido, mais do que ninguém, fino e, às vezes, até meio “leniniano” estrategista da luta literária e cultural entre nós, sempre andou meio alheio aos pontapés que, volta e meia, trocavam os homens da literatura e da crítica entre si. Por exemplo, Afrânio Coutinho, crítico togadíssimo, reitor, o homem da divisa “letras para o desenvolvimento”, puxador do new criticism na universidade (“o que importa é o objeto, não o sujeito, a crítica é da esfera da ciência”), versus Álvaro Lins, homem de letras à francesa, embaixador,para quem a c

Lance de lavas

Sobre Palhaços de Timochenco Wehbi O palhaço diante das cadeiras vazias do circo. Todo o sal do mar evapora como ondas dos olhos e da saliva da boca. O espetáculo do clown pobre, não tem graça. A alegria da criança vira abóbora no Dia das Bruxas! Sobe a cortina do picadeiro: - Vivo a época da velocidade da tecnologia e das relações líquidas e virtuais, seus dispositivos de controle, seu rebanho inseguro e agarrado à prece, espera a vinda do Messias, sua cultura separatista de tribo global. Seus manuais de estética, suas campanhas, seus produtos em série, suas indústrias da saúde, da doença e da miséria, na cidade dividida por labirintos de tristeza, de solidão em estufas de vidro fumê, seus condomínios feudais emparedados e embalsamados, seus paraísos artificiais de desespero e os sonhos paralíticos transferidos às telas digitais. As tarefas-padrão, não irão acabar? Contas a pagar por cada picad

A busca excessiva de grandezas

Os fragmentos que ficaram mostram que todos os riscos foram assumidos             Nada de ladainhas ou louvaminhas para Mário Faustino: o defunto não gostava dessas coisas. A enxurrada laudatória a que a oportuníssima reedição de sua poesia deu ensejo, desmerece o rigor e a honestidade do grande crítico que ele foi. Organizando de 56 a 58, a página semanal “Poesia-Experiência” no Jornal do Brasil, o melhor suplemento poético (com poesia, crítica e tradução) que já houve no País. Faustino, que sempre foi duro com toda a criação alheia, sobretudo a dos poetas consagrados (Drummond, Cabral e Bandeira, por exemplo) que hoje em dia ninguém ousa criticar, jamais teria se rebaixado à autocomplacência.             Convém, portanto, reconhecer, além de suas marcas de grandeza, seus evidentes sinais de fracasso. Embora sua obra estivesse em nítida evolução quando de sua morte prematura, aos 32 anos, (em 1962, num acidente aéreo no Peru), ela só pode

Criatividade e imaginação

Estar com o livro é estar em solidão fecunda, aquela solidão que muito tem a ver com a transcendência             Conhecer um sebo pode ser uma experiência inusitada. Ao entrar em contato com livros de épocas e assuntos os mais variados, pressente-se no ar, uma corrente de energia, um pouco da experiência humana, acumulada de geração em geração.         Num livro percebemos, visualmente, a palavra escrita. Mas, a percepção vai muito além. E é no mundo das ideias, da criatividade que a “magia” do livro acontece em toda a sua plenitude. A imaginação realiza voos fantásticos ao viajar por lugares, épocas ou situações desconhecidas.      O ambiente do sebo moderno tornou-se, intencionalmente ou não, um lugar propício para estes voos da imaginação. São vários os elementos que contam. A começar do próprio sebista, sempre disposto a levar “um bom papo” e até, talvez, tomar um “cafezinho” com o frequentador que se mostre mais interessado. Afinal, trata-

Lamentações do tártaro I

  Estou imerso na memória do rio na pele do seu corpo que floresce e se conjuga. Estou imerso como o peixe na pupila crística do desejo, da espera: estancar o sofrimento da resina do cansaço em busca de solução à existência semelhante ao animal do subsolo. O tempo redescoberto do rio na memória da pele do corpo. Aqui, as pedras nem produzem seus limos somente pequenos vasos de cal. Ouço a fome das pedras do fundo do rio o bojo da vida: preciso do elemento água para me consumir a boca de rachaduras. Ouço vagar, meu vago vagar sou vago mas desejo um novo dia. Aqui, a fome e a sede estancaram o manancial da vida, a subcondição persiste como essência. Então, o amor e a solidariedade não me justificam e o peso da carga imensa imerso, revela-se concepção, como consequência de um plano nefasto e vil, multipliquem-se os lagartos e se infiltram, os rastejantes apenas andam sem direção. Apesar

Um lazer todo especial

Livro raro e fora de catálogo do grande contista e filho de Graciliano Ramos             Quem disse que livros e lazer não andam de mãos dadas? Esta temporada pode ser a ocasião ideal para se realizar aquela leitura que há meses está para ser feita ou o projeto de estudos sempre adiado. Para isto, basta deixar-se pelo clima de férias e liberar a curiosidade que pode acabar se dirigindo para as áreas mais insólitas e diversas da atividade usual de uma pessoa. O importante é deixar de lado reservas e preconceitos descobrindo bons livros que tratem do assunto escolhido.             Além disso, são sempre uma higiene mental (além de muito saudáveis culturalmente) essas “escapadas” da imaginação, principalmente para quem continua trabalhando nessa época do ano. Para tais pessoas o livro possibilita uma “viagem” toda especial, afinal, pode até transcender o tempo, o espaço...             Reunindo um clima de biblioteca, livraria e museu de arte, o sebo moder

Cultura e informação

Um verdadeiro mundo a ser descoberto ou desvendado             Já houve tempo em que a atividade do sebista era vista com certa reserva por algumas pessoas ou como perto de exótico por outras. O próprio nome sebo conota um sentido próximo do pejorativo. No dicionário Aurélio Buarque de Holanda algumas das definições trazem: em uso chulo – namoro, na gíria – exprime impaciência, desapontamento, irritação, ou ainda usado popularmente – indivíduo metido a sebo – pessoa pedante, orgulhosa. Mas o que poucos sabem mesmo é que a palavra é um apelido dado pelos cariocas, desde o começo do século, quando surgiram as primeiras casas de livros de segunda mão: os alfarrábios. O comércio era uma novidade no país quando alguém pegava um daqueles livros (alguns antiquíssimos, cheios de marcas deixadas pelo tempo) dizia estar ensebado.         À parte, origem e definições da palavra, o sebo hoje em dia está no ápice de sua atividade e não há porque guardar preco