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Mostrando postagens de setembro, 2015

Marginais, profissionais e burocracia

Os artistas marginais de hoje não são mais combativos “rebeldes com causa” como nos anos 50-60, mas os rejeitados pelos sistemas por falta de sincronização com os discursos oficiais             No começo do século 19, o mecenato, que fora tradição desde a Idade Média, mas principalmente da Renascença até o século 18, deixa de existir na forma conhecida. Os artistas, escritores e filósofos perdem, assim, a posição de agregados oficiais das cortes, o que não deixava de ser uma primitiva profissionalização. Muda então o estatuto daqueles que lidam com o fazer artístico. Muitos conseguem mais autonomia vendendo diretamente suas obras, mas a exclusão social atinge um grande número, que passa a ser visto como diletante ou marginal. Diletantes, como os aristocratas ou grandes burgueses, fazendo sua arte ao mesmo tempo em que exercem outras atividades, como juristas, soldados, diplomatas ou simplesmente “dandys”, frequentando a alta sociedade; ou

Trechos de Lavoura Arcaica

Raduan Nassar no relançamento do livro em 2005 Imagem: revista Usina             “Na modorra das tardes vadias da fazenda, era num sítio, lá no bosque, que eu escapava aos olhos apreensivos da família. Amainava a febre dos meus pés na terra úmida, cobria meu corpo de folhas e, deitado à sombra, eu dormia na postura quieta de uma planta enferma, vergada ao peso de um botão vermelho. Não eram duendes aqueles troncos todos ao meu redor velando em silêncio e cheios de paciência o meu sono adolescente? Que urnas tão antigas eram essas liberando as vozes protetoras que me chamavam da varanda?” (...)             “De que adiantavam aqueles gritos se mensageiros mais velozes, mais ativos, montavam melhor o vento, corrompendo os fios da atmosfera? Meu sono, quando maduro, seria colhido com a volúpia religiosa com que se colhe um pomo. E me lembrei que a gente sempre ouvia nos sermões do pai que os olhos são a candeia do corpo. E, se eles er

As descobertas acidentais

Cada detalhe das diferenças tribais e da evolução do homem é tão perfeito ANTES DE ADÃO (Before Adam) Jack London Tradução de Maria Inês Marieira e Luís Fernando Brandão Gênero: Ensaios Coleção L&PM Pocket L&PM Editores 152 Páginas Porto Alegre – Rio Grande do Sul              Jack London foi jornalista, correspondente de guerra, pescador e pesquisador de ouro no Alasca. Ah, e também um dos melhores e mais prolixos escritores de aventuras de todos os tempos; escreveu cinquenta livros em dezessete anos de carreira de sua curta vida (1876/1916).             Antes de Adão , ensaio de 1906, produzido num dos períodos mais férteis da vida do escritor; em menos de quatro meses ele produziu além deste livro, mais doze contos. É muita coisa para um simples mortal.             No volume de 152 páginas o(a) leitor(a) encontra as memórias de um homem do século vinte, porém reminiscências de sua vida ancestral. A P

Temporal

O temporal se desdobra na cidade sem maquiagem. Um estranho rosto que se multiplica em milhares de faces desiguais rasgando véus, desvendando os desencantos das feridas expostas pelo sol. Quero o grande amor revolto se derramando na aridez das longas praias da solidão das ilhas desertas, das dunas intocadas. Extravasando aflito sua dor imensa. Impaciente espero que a tempestade ácida derreta os guarda-chuvas do medo, que o apavoramento cesse, afogando os discursos dos camelôs do ego e dos pastores de almas leigas. Entre a terra e o céu - as asas, como o sal, o salário e a saúde – sementes de sobrevivência, sombras de sangue no sol. Entre todas as distâncias - a palavra no grito que não consente o ódio no preconceito.

Caio Pego

            Cada pessoa é um abismo. Dá vertigem olhar dentro delas. Sigmund Freud Pequenas bolhas de som explodiam sem choque contra seus ouvidos, nota após nota, até se formar também por dentro aquela melodia tão remota e lenta que parecia vir mais da margem,  mas do fundo              - Às vezes, tenho a impressão de que trago um abismo profundo dentro de mim – disse Caio, em mergulho reflexivo.             - A parte mais profunda das águas não resiste como durante o dia, mas o envolve amoroso e ele sente nos lábios (...) Este era o mistério que Caio Pego procurava possuir como a uma mulher.             - Como pensar em outra coisa, se o oceano em alguns pontos do globo, chegava a atingir mais de 10.000 metros de profundidade?             Se não consigo medir a profundidade do oceano dentro de mim?             - Será que alcança 10.000 metros de profundidade?             Quanto mais procuro encontrar-me, m